O cérebro humano é uma máquina complexa de aprendizado e memória, e uma das áreas mais intrigantes desse sistema é o hipocampo. Este pequeno órgão desempenha um papel crucial em duas funções distintas da memória: uma que nos permite lembrar associações entre tempo, lugar e ações, e outra que nos permite prever ou planejar ações futuras com base em experiências passadas. Um estudo recente, publicado na revista Science, lança luz sobre essas duas funções, separando-as pela primeira vez e oferecendo insights significativos para o tratamento de condições como demência e Alzheimer.

 

Códigos associativos e preditivos no hipocampo. Nossa manipulação optogenética perturbou as sequências hipocampais sem afetar a coatividade celular, interrompendo assim seletivamente o código preditivo. Após o aprendizado, os conjuntos celulares foram reativados, mas sua ordem não foi preservada, abolindo a reprodução sequencial (à direita). Perturbar o código preditivo não teve efeito sobre o aprendizado associativo (inferior esquerdo), mas interrompeu o aprendizado flexível de trajetórias ótimas novas em um labirinto (inferior direito). [Ilustrações de ratos: Yu Kang]

Fonte: https://www.science.org/doi/10.1126/science.adi8237 

 

O Estudo e Sua Metodologia

Conduzido por Antonio Fernandez-Ruiz e Azahara Oliva, ambos professores assistentes de neurobiologia e comportamento, o estudo utilizou técnicas optogenéticas avançadas para desativar um tipo de memória enquanto mantinha o outro. A equipe desenvolveu um sistema que usava vários eletrodos implantados no cérebro de ratos para rastrear a atividade de muitos neurônios simultaneamente. Posteriormente, eles usaram optogenética para controlar a atividade desses neurônios com extrema precisão.

 

Descobertas Chave

O estudo revelou que um tipo de código neural controla a capacidade de fazer associações, como lembrar que maçãs são vendidas na mercearia do bairro. O outro tipo é preditivo e envolve a capacidade de usar a memória de forma flexível para planejar um novo comportamento. Por exemplo, se você sempre viaja pela mesma rota para a loja, mas um dia a estrada está fechada, você pode usar um mapa interno memorizado do bairro para prever uma nova rota.

Ao perturbar uma região do hipocampo, os pesquisadores conseguiram embaralhar a sequência de neurônios que disparam ao longo dessa trajetória. Isso resultou na perda da parte preditiva da memória, enquanto a parte associativa foi mantida.

 

Implicações Clínicas

As descobertas têm implicações significativas para o tratamento de doenças como Alzheimer e outras formas de demência, onde os pacientes experimentam degeneração neural no hipocampo, bem como problemas de memória e navegação. "Ao analisar que tipo de déficit de memória ocorre em um paciente, podemos tentar inferir que tipo de mecanismo neuronal subjacente foi comprometido, o que nos ajudará a desenvolver intervenções mais direcionadas", disse Fernandez-Ruiz.

 

Conclusão

Este estudo representa um avanço significativo em nossa compreensão das complexas funções de memória codificadas no hipocampo. Ele não apenas separa duas funções críticas da memória, mas também oferece um caminho para intervenções terapêuticas mais direcionadas em condições que afetam a memória e a aprendizagem. À medida que continuamos a explorar as profundezas do cérebro humano, estudos como este nos aproximam de tratamentos mais eficazes para algumas das condições neurológicas e neuropsicológicas mais debilitantes.

DANILO PEREIRA